Desvanecer


Certa tarde, estava eu a brincar no quintal da minha avó quando notei numa borboleta que voava perto de mim. Como criança curiosa de sete ou oito anos que era, fiquei muito quieta à espera. Esperei que a borboleta, de asas brancas com uma pintinha que me pareceu ser amarela, pousasse na minha mão. Porém, voou para longe e eu fui a correr até à cozinha e contei aos meus avós. Recordo-me de o avô me ter dito que iria ter muita sorte, pois se uma borboleta rodopiar à minha volta significa que me escolheu para dar sorte. Dei-me por satisfeita com esta explicação do avô, mas lembro-me de a avó sorrir para mim e, em seguida, dizer:

- Um bater de asas de uma borboleta pode originar um furacão no outro lado do mundo. A borboleta estava a dar-te parte da sua força e coragem, afastando o medo.


O que os avós me disseram em relação às borboletas ficou de tal maneira gravado na minha memória que nunca o esqueci. Prova disso é o facto de hoje ter recordado as suas palavras de uma forma repentina, quando senti medo.

O medo causa em mim um sentimento de abismo. Este abismo é a tomada de consciência de que existe algo muito maior do que eu, fugindo completamente do meu controlo. Até esta manhã, fechava os olhos e via azul e cinzento; azul e cinzento; azul e cinzento. O medo invadia-me e dava por mim completamente desesperada.

Este sentimento demasiado poderoso, que é o medo, pode ter dois efeitos em nós: fugir ou paralisar. Até aqui, dava por mim a querer fazer os dois, a acabar por não fazer nenhum sem saber bem como, e a deixar que o azul e cinzento me engolissem viva. Contudo, esta manhã, o medo foi enviado para longe quando a coragem falou mais alto. E quero acreditar que foi esta borboleta - a borboleta que voou à minha volta há dezoito anos - que me deixou coragem suficiente para enfrentar o meu medo. Coragem e força: dois atributos que podem ser decisivos em certos momentos da nossa vida, e que devemos guardar com carinho bem dentro de nós.

Quem já leu este texto até este ponto, poderá pensar que a avó é quem teve razão naquela tarde de primavera. No entanto, não quero deixar de recordar algo muito importante: o avô também tinha razão!

Acontece que aquela borboleta também me trouxe sorte, pois tenho na minha vida alguém que gosta tanto de mim ao ponto de me dar a mão e ajudar a que o azul e cinzento desvaneçam. A borboleta presenteou-me com a sorte de os nossos caminhos se cruzarem. Há quem lhe chame destino; mas eu acredito que foi tudo devido a um simples bater de asas de uma borboleta que rodopiou à volta de uma menina curiosa. 

Quando hoje o azul e cinzento começaram a dissipar, e eu olhei para o lado, e vi quem me adora, percebi que todos os abismos têm um fim. Se voltar a estar à beira de um precipício e começar a cair, sei que poderei procurar pela sua mão, pois ela nunca me deixará sozinha. Juntas, encontraremos a minha coragem e força, e faremos o medo desvanecer.


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